quarta-feira, 9 de março de 2011

Heraldo Barbuy - Paulo Bomfim

Heraldo Barbuy

Por Paulo Bomfim


Barbuy, ao contrário de seu irmão Sócrates, não usava a maiêutica como processo de descoberta do próximo. Chegou a todos nós através da simpatia, ou melhor, da empatia. Não fazia perguntas, captava por intuição a sensibilidade de amigos e alunos. Viveu e morreu com genialidade. Possuía um carisma que o tornava raro e ao mesmo tempo simples. Nossa geração, numa viagem sem retorno, tem poucos pontos de referência e de orientação. Geralmente luzes que se apagam com decepções e fugas ao destino.

Barbuy é uma exceção. Cruzeiro estelar, guiou a todos através do mar tenebroso destes dias. A seu lado contornamos o Cabo das Tormentas e rumamos para as Índias secretas do pensamento e da beleza.

Ele, o grande angustiado, soube transmitir paz. Sua casa e seu coração eram portos recolhendo náufragos. Nasceu com a vocação de acordar sonâmbulos, de formar espíritos e plasmar destinos. Mestre por excelência, fez da cátedra uma religião existencial. Nos idos de 40 suas aulas de filosofia, de história e de francês no Rio Branco eram apaixonantes. Através delas íamos vivenciando as correntes da cultura, nascendo e renascendo ao lado de personagens revolucionários e textos encantatórios. Em sua fase política, Barbuy levantou a mocidade com sua candidatura romântica. Se tivesse vencido, a paisagem rala de nossa época teria se povoado de cordilheiras de ideias e florestas de força criadora. Trazia para a política caráter e gênio, cultura e pureza. Exatamente tudo aquilo de que ela carece agora.

Último cruzado num mundo onde os homens se mecanizam e as máquinas se espiritualizam, Heraldo Barbuy, levado por suas paixões e por sua vontade de acertar, caminhou da trapa ao ceticismo, do ceticismo a São Tomás, de Santo Tomás a Heidegger. Mais plotínico do que platônico, mais nietzschiano do que kantiano, abrigava-se às vezes na catedral hegeliana, identificando-se, outras, com a doutrina de Duns Scot e a mística de Jacob Boehme.

Homem da “Floresta Negra”, ser cósmico que caminha para a morte lendo Novalis, Hoelderlin e Rilke, ouvindo Beethoven, Wagner, Richard Strauss e Carl Orff, o caminheiro fez da sombra a face noturna de sua verdade.

Professor de sociologia e de economia na Universidade de São Paulo, filósofo antes de mais nada, marcou a fogo as trevas que o rodeavam.

Em sua casa, humanizada ainda mais pela presença de sua grande companheira Belkiss e de seus filhos, conheci Vicente Ferreira da Silva e a geração inquieta e culta do “Diálogo”. Convivendo com ele cheguei à filosofia e a um romantismo que transcende às escolas estéticas. Ali nasceria também a fraternidade que me une a Gilberto de Mello Kujawski e Manoel Otaviano Junqueira Filho, e a amizade que me aproxima de Dora Ferreira da Silva, Milton Vargas e Jessy Santos.

Serenamente adormecido no barco de ébano, com velas incendiadas e âncoras em flor, Heraldo Barbuy, mergulhando na terra paulista, dirige seu rumo para a eternidade.